Você estava no final da manhã quase terminando uma entrega quando chega o seu cliente, te interrompendo meio que quase violentamente, te pedindo para parar tudo que você estava fazendo e trabalhar em algo que ele diz que é a coisa mais importante da empresa naquele momento e que você não pode ir embora antes de terminar este novo trabalho. Então, você entendendo o recado, aceita o desafio e mete bala no trabalho. Só que durante a tarde você manda uma mensagem para o mesmo cliente perguntando se ele pode tirar uma dúvida para você terminar o que ele pediu, e ele simplesmente diz que não tem tempo no momento para te atender e te ignora. Automaticamente você se questiona: Como assim? O trabalho não era o mais importante da empresa?
Esta situação te parece familiar? Já aconteceu com você? Porque comigo já aconteceu e já vi acontecer inúmeras vezes, e por isso queria há tempos escrever sobre o que vou chamar aqui de “clientes ruins fazendo clientices”.
Bom, vamos começar pelo contexto em que cada vez mais existem clientes ruins. Vou fazer uma analogia com a criação e fabricação de cadeiras, que vou chamar do Axioma da Cadeira, para entendermos o que é um bom cliente e um mau cliente.
O Axioma da Cadeira
Atualmente todo mundo sabe o que é uma cadeira, praticamente todo mundo mesmo, e um detalhe que talvez você não tenha percebido é que no mundo inteiro as cadeiras são padronizadas com a mesma altura, profundidade, tamanho do acento, tamanho do encosto e braços, quando há. Podemos dizer que as características gerais que descrevem uma cadeira são as mesmas no mundo inteiro, e o que mudam são os detalhes. Há exceções, claro, onde bancos são mais apreciados ou até mesmo se senta no chão ou em banquetas altas, mas mesmo nestes lugares todos sabem o que é uma cadeira padrão e provavelmente existem alguns modelos por lá.
Atualmente podemos até dizer que uma cadeira é praticamente um axioma, e o que é um axioma? Axiomas são verdades inquestionáveis universalmente válidas. Desta forma, basta qualquer um pedir uma cadeira com uma respectiva configuração, podendo até modificar alguns detalhes ou características mencionadas acima, além de citar outras como estofado ou não, cores, madeira, ferro ou plástico, braços fixos ou móveis e por aí vai. No entanto, concordamos que é muito fácil reproduzir uma cadeira hoje em dia, e é muito fácil também acertar na encomenda ou compra de cadeiras, principalmente as padronizadas, não acha?
O cliente bom no passado
Maravilha, aqui temos o contexto em que um cliente pode apenas encomendar cadeiras e ficar esperando a sua entrega, sem se envolver com nada relacionado a fabricação e testes, por exemplo. Neste caso um bom cliente é aquele que pede corretamente o que quer, e um bom fornecedor é aquele que entrega exatamente o que o cliente pediu. Ambos sairão satisfeitos com um pedido correto e uma entrega correta mesmo sem colaborarem durante os trabalhos e mesmo se mantendo distantes um do outro ao longo da realização da fabricação e entrega.
Agora vamos para a segunda situação, um contexto completamente diferente.
Imagine, hipoteticamente, que você vive a aproximadamente 5000 A.C., onde se tem registros dos primeiros bancos feitos pela humanidade, de pedra ainda, ou um pouco mais recente a aproximadamente 2500 A.C. onde se tem registro das primeiras cadeiras com encosto e feitas de madeira que mais se aproximam das nossas. Pense, cadeiras não existiam, então ninguém sabia o que era uma cadeira, não tinha como um rei ou um faraó pedir uma cadeira e ficar esperando a entrega perfeita de um objeto descrito, mesmo que fosse descrito este objeto precisava ser experimentado, e na melhor das hipóteses se pedia um objeto para sentar, não se conhecia o nome cadeira e o axioma existente hoje estava muito distante de ser criado.
Pense que a 5000 A.C. quem queria um banco para se sentar estava junto com o pedreiro ou artesão (fornecedor) que estava modelando o banco, enquanto o pedreiro experimentava medidas na fabricação, o cliente experimentava o objeto pronto e ia dando seu feedback real: “Está muito alto”, “está muito largo”, “está muito baixo”, até que se chegou a uma forma que funciona para a maioria dos casos. Veja, o mesmo aconteceu com as cadeiras de madeira em 2500 A.C., só que neste caso houve braços, ondulações, encosto e o fornecedor precisou testar muito mais formas e configurações, e o cliente também precisou testar muito mais, dar muito mais feedback e estar muito mais perto do ferreiro, marceneiro ou artesão.
O cliente bom no presente (e futuro)
O cliente bom neste contexto não foi o cliente que pediu e esperou seu produto ou projeto ficar pronto, e muito menos aquele que pensava e cobrava que ele chegasse perfeitamente como descreveu, ou pior, ordenou. O cliente bom neste segundo contexto foi o cliente que, além de descrever o que queria, esteve presente em boa parte da fabricação e muito mais ainda nos testes, entendendo que o produto era um resultado de uma experimentação e por isso iria mudar muito ao longo da construção, e não era um produto de um trabalho repetido e que deveria ser entregue perfeitamente na primeira tentativa como em um passe de mágica ou de adivinhação.
Atualmente temos, diariamente, projetos e desenvolvimento de produtos com estas duas naturezas e contextos. Porém, a maioria dos clientes ainda se comporta como se apenas o cenário 1 (um) existisse. O cliente ruim ainda acredita mesmo que o seu papel de cliente é apenas pedir ou ordenar como se tudo fosse uma repetição e uma obrigação dos fornecedores, times, desenvolvedores e pessoas fazerem o descrito e ordenado como se fossem leitores de bolas de cristal e que a responsabilidade é só do fornecedor, e o cliente se coloca em um pedestal de que “o cliente tem sempre razão” e que a culpa dos erros é sempre do fornecedor.
Lamento, caro cliente, mas isso deixou de ser verdade a pelo menos meio século e você que ainda pensa assim está um pouco atrasado em relação as evoluções e necessidades do mundo atual e futuro.
O que é importante entender é que descrever, pedir e esperar algo perfeitamente como você (cliente) pediu funciona muito bem para o cenário do contexto 1 onde a cadeira já é conhecida por todos, onde todos nós sabemos o que é uma cadeira e fica fácil de descrevê-la e esperar por um resultado correto. Nesta nossa analogia, a cadeira é algo concreto e um objeto físico com forma e características bem conhecidas, além de funcionar também de forma conhecida após muitos testes e aceitação ao longo de muitos séculos.
No entanto, ainda na nossa analogia, lá em 2500 AC isso não era verdade e não tinha como descrever uma cadeira, porque ela não existia, e é nesse momento que estamos novamente. Como se estivéssemos em 2500 AC ou 5000 AC trabalhando nas primeiras cadeiras da humanidade. Porém agora são softwares, aplicativos, serviços, produtos das mais diversas naturezas, máquinas, equipamentos, inteligência artificial, processos e conjuntos de pessoas com desejos, necessidades e problemas também dos mais diversos, e não dá mais para trabalhar como se tudo fosse O Axioma da Cadeira.
Então, querido e querida cliente, para de ser um cliente ruim e trabalhar com seus fornecedores ou até mesmo times internos e áreas de produtos, projetos e tecnologia, como se tudo fosse igual ao cenário 1 do Axioma da Cadeira.
Clientices clássicas
Ah, e eu não podia terminar sem antes dar mais exemplos daquelas clientices que chegam a nos dar aquele frio na espinha:
- Toda vez que você pede alguma coisa para um time (ou fornecedor) fazer e você diz que a obrigação de saber como fazer é apenas do time (ou do fornecedor) porque você é o cliente, você está fazendo clientice e sendo um cliente ruim.
- Toda vez que você diz que é extremamente urgente que alguém faça algo para você e que você precisa daquilo para as próximas horas, porém você não tempo para se dedicar ao projeto e acompanhar testes e trabalhos porque você tem outras prioridades, você está fazendo clientice e sendo um cliente ruim.
- Toda vez que o seu fornecedor ou time de entrega, tecnologia ou projeto trabalhou um tempão para fazer algo para você, porque você disse que era importante e que precisava muito, e quando eles terminam você não usa e nem sequer teste ou olha, isso é uma clientice enorme, e de novo você é um péssimo cliente.
- Quando o time do projeto, produto ou fornecedor tenta contato com você para mostrar algo, para explicar algo, para perguntar algo e você nunca tem tempo e diz apenas para eles terminarem e te mandarem para você ver pronto, e quando eles te obedecem, terminam e entregam você fica todo bravinho(a) dizendo que não era o que você queria e que mais uma vez fizeram errado e não te entenderam, então, você de novo fez uma clientice das gigantes e provou ser um dos piores clientes que existem.
Então, se você é cliente de alguma equipe, fornecedor ou área, ou seja, se você é do conjunto de pessoas que pedem coisas para outras dentro de uma empresa e sentado(a) na sua confortável cadeira faz algumas das situações acima descritas, você é um dos clientes ruins que esbanja clientices e é um dos principais causadores das falhas, fracassos e “dinheiro jogado fora” por ai.
Por fim, vale lembrar que atualmente, no mundo VUCA (ou BANI se você preferir), onde as mudanças são cada vez mais frequentes, onde a concorrência é mais cruel do que sempre foi, onde a economia, a política e o mercado são mais instáveis do que sempre foram, onde o consumidor está cada vez menos acomodado e conformado com produtos e serviços ruins, você precisa ser um cliente bom. Mas só tem uma forma de fazer isso: Colaborando com os times e com os fornecedores, sabe por quê? Porque o produto ou o projeto são seus também, “Sr. Cliente”, e achar que você não tem esta responsabilidade como dono é mais uma das clientices que você precisa parar de fazer.
E então, você é um cliente que faz clientices? Assume ai para mim e conta qual foi sua maior clientice.
Agora se você é um membro de equipe de projeto, produto ou serviço e sofre com clientices dos seus clientes, conta ai para mim também, qual a maior clientice que você já te aterrorizou?
E aí Curtiu? Se você curtiu este texto compartilhe com quem você acredita que precisa parar de fazer clientices por ai, e fique a vontade para repetir o Axioma da Cadeira na sua empresa, só lembre de mencionar o meu post como fonte 😊